Defesa de Direitos Humanos com foco principal na criança e adolescente

Prefeito Parini X A REDE da Cidadania

Veja aqui o texto original do Tribunal de Justiça  Acórdão A REDE da Cidadania

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

2a Câmara de Direito Público

 

ACÓRDÃO 1 lUlllHIln •™*JgSlí*y&í^5*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário n° 994.09.222847-2, da Comarca de Jales, em que são apelantes ADERJ ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DA REGIÃO DE JAL, ASSOCIAÇÃO REGIONAL EDUCACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA e PROMOTOR DE JUSTIÇA VARA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE JALES sendo apelados MUNICÍPIO DE JALES, ASSOCIAÇÃO REGIONAL EDUCACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA e ADERJ ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DA REGIÃO DE JALES.

ACÓRDAM, em 2m Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores LINEU PEINADO (Presidente sem voto), JOSÉ LUIZ GERMANO E CORRÊA VIANNA.

São Paulo, 09 de agosto de 2010.

 

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

  

VERA ANGRISANI

RELATORA

 

VOTO n° 10309

APELAÇÃO CÍVEL N° 994.09.222847-2 (COM REVISÃO)

COMARCA: JALES

APELANTE: ADERJ ASSOCIAÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS DA REGIÃO DE JALES, ASSOCIAÇÃO REGIONAL EDUCACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA, PROMOTOR DE JUSTIÇA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE JALES

APELADO: MUNICÍPIO DE JALES

Magistrado de I o grau: José Pedro Geraldo Nóbrega Curitiba

APELAÇÃO CÍVEL. Ação de Depósito de Recursos Financeiros. Pretensão ao reconhecimento de descumprimento de termo de convênio firmado com a empresa Petróleo Brasileiro, cujo objetivo era o repasse de recursos para o Fundo da Infância e Juventude do Município de Jales que, por sua vez, realizaria a transferência do recurso para as entidades privadas, que tiveram seus projetos aprovados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, em especial, para a manutenção dos Projetos “Casa de Passagem-Regime de Abrigo” e “Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Numerário recebido da Petrobrás que foi devidamente repassado, atendendo os termos do convênio. Ausência de prejuízo. Ato administrativo consistente na obrigatoriedade da assinatura do Prefeito Municipal para o repasse das verbas que pode ser convalidado. Desnecessidade de anulação. Verba repassada que já está sendo utilizada no desenvolvimento e no atendimento das crianças e dos adolescentes beneficiados pelos Projetos. Anulação do ato que acarretará prejuízos deixando os beneficiados pelos programas em estado de abandono. Dever de obediência a regra constante no artigo 227, “caput”, da Constituição Federal. Sentença de procedência reformada. Ação julgada improcedente. Recursos providos.

I- Trata-se de reexame necessário e de apelação com revisão interposta pela ADERJ DEFICIENTES FÍSICOS DA REGIÃO DE JALES e outros na ação civil sob o título “Ação de Depósito de Recursos Financeiros” movida pelo MUNICÍPIO DE JALES, objetivando o reconhecimento do descumprimento de termo de convênio firmado com a empresa Petróleo Brasileiro, cujo objetivo era o repasse de recursos da pessoa jurídica para o Fundo da Infância e Juventude do Município de Jales que, por sua vez, realizaria a transferência do recurso para as entidades privadas, que tiveram seus projetos aprovados pelo CMDCA para realização de programas, bem como da legislação municipal atinente ao repasse de recursos para entidades.

A r. sentença de fls. 356/381 julgou procedente a ação, com fulcro no artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil, determinando a restituição dos valores irregularmente repassados pelo Presidente do CMDCA às rés, Associação Regional Educacional da Defesa da Cidadania – Rede da Cidadania e ADERJ- Associação dos Deficientes Físicos da Região de Jales. Considerando que o bloqueio dos valores não abrangeu a totalidade dos valores irregularmente transferidos às rés Rede da Cidadania e ADERJ, condenou as rés a restituir a diferença do valor já bloqueado e aquele que foi repassado irregularmente a cada uma delas, corrigidos monetariamente e com juros legais desde a citação. Interposto o reexame necessário.

Apela ADERJ- Associação dos Deficientes Físicos da Região de Jales pretendendo a reforma da r. decisão, sustentando, em síntese, que o apelado não tem como objeto a restituição de verbas públicas, pois o convênio e o plano de trabalho determinou às partes executantes do plano de ação o que foi cumprido pela requerida. Aduz não ter infringido nenhum princípio administrativo, estando o repasse de acordo com o convênio firmado, não causando prejuízo; não ter contribuído de forma direta ou indireta com os vícios e irregularidades no repasse das verbas do convênio, cumprindo o plano de trabalho, beneficiando as crianças e adolescentes (fls. 389/400).

A Associação Regional Educacional de Defesa da Cidadania- A Rede da Cidadania e Arnaldo Murilo Silva Pohl (fls. 448/471) alegam que o convênio foi firmado pela Rede da Cidadania e não o consórcio /prefeituras; a inexistência de ofensa ao princípio da legalidade, a aplicação dos valores no primeiro semestre de 2009 no cumprimento do termo firmado (fls.445/471).

O Ministério Público se insurge contra o decisorio, em preliminar, assevera nulidade da sentença por necessidade de ampla dilação probatória e, no mérito, pela improcedência da ação, para que se determine ao Município de Jales, através do Prefeito, a adoção das providências para o repasse dos valores indevidamente retidos e que seja destinada tanto à entidade Rede da Criança, quanto à ADERJ, não se localizando recursos em conta corrente, pela manutenção da destinação para a execução do programa de enfrentamento ao abuso e exploração sexual (fls. 523/557).

Os recursos foram recebidos (fls. 558) e foram regularmente processados com apresentação de respostas às fls. 563/572, 596/608, 610/622 e 624/642. A douta Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo provimento dos recursos (fls. 646/656).

Os autos foram distribuídos inicialmente para Câmara Especial que determinou a remessa à Seção de Direito Público (fls.658/659).

É o relatório.

I I – Bem examinados os autos, noticiam estes que o Município de Jales, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Jales, a Associação Regional Educacional de Defesa da Cidadania- a Rede da Cidadania e ADERJ Associação dos Deficientes Físicos da Região de Jales, firmaram convênio com a empresa Petróleo Brasileiro, visando o repasse de recursos para o Fundo da Infância e Juventude do Município de Jales responsável pela transferência de recurso para entidades privadas aprovadas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente- CMDCA, voltados aos programas “Casa de Passagem-Regime de Abrigo” e “Programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”.

Consta que no convênio as entidades beneficiadas seriam a ADERJ- Programa Abuso e Exploração Sexual, a Rede Cidadania – Programa Regime Jurídico de Abrigo e o CMDCA, voltado às ações de eficácia. Ficou estipulado no convênio que o repasse de valores seria realizado por meio de conta-corrente cujo titular era o Fundo da Infância e Juventude de Jales e com a confirmação dos recursos, competiria ao Município e ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Asolescente proceder ao repasse pertinente.

Segundo a insurgência constante da inicial, os repasses teriam sido efetivados em conta-corrente diversa, fornecida pelo Presidente do CMDCA, Sr. Arnaldo Murilo Silva Pohl e realizada a transferência da Petrobrás, sem a intervenção do município, tendo sido o quantum destinado a duas entidades e ao CMDCA, descumprindo o convênio e a legislação municipal que regra o fundo.

A preliminar de cerceamento de defesa argüida pelo Ministério Público, em virtude do julgamento antecipado da lide, não comporta acolhida.

É do livre convencimento do magistrado o deferimento de pedido para a produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide, porque ele tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de produção de provas, ao constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante para nortear e instruir seu entendimento.

A tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes da decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve forma-Io com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há que se falar em cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide.

O Superior Tribunal de Justiça adota firme orientação no sentido de que “tendo o magistrado elementos suficientes para o esclarecimento da questão, fica o mesmo autorizado a dispensar a produção de quaisquer outras provas, ainda que já tenha saneado o processo, podendo julgar antecipadamente a lide, sem que isso configure cerceamento de defesa” (STJ, REsp 57.861/GO).

Por apego a fundamentação, também neste sentido o julgado desta Superior Corte: ” tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há que se falar cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide” e que “o magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhai, ao constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante para nortear e instruir seu entendimento.” (REsp n° 102303/PE).

De fato, no caso, a demanda comportava julgamento antecipado, com o conhecimento direto do pedido, não necessitando de realização de prova, em especial testemunhai, pois existentes nos autos todos os elementos necessários ao deslinde da pendência. Cumpre esclarecer que eventual busca dos motivos que teriam dado causa a transferência dos valores não interferem no julgamento, até mesmo porque se trata de ato administrativo não discricionário e sim vinculado. Assim, a antecipação é legítima porquanto os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do juízo.

Quanto ao mérito, respeitado o entendimento do douto magistrado sentenciante, tenho pelo acolhimento dos recursos.

Em linhas gerais, fundamentou o Juiz na tese do ato praticado ter natureza vinculada, não admitindo convalidação, bem como na violação dos princípios da estrita legalidade e da moralidade administrativa.

Inicialmente, saliento que a legalidade estrita não mais se harmoniza com o atual Estado Democrático de Direito, porquanto o sistema jurídico deve ser guiado por princípios harmônicos entre si, inexistindo hierarquia entre eles, não se podendo aplicar um em detrimento dos demais.

A propósito a Professora Weida Zancaner1 elucida que “o princípio da legalidade visa a que a ordem jurídica seja restaurada, mas não estabelece que a ordem jurídica deva ser restaurada pela extinção do ato inválido”.

Desta forma, o estudo atento dos autos demonstra que maior amplitude deve ser dada a questão, sob pena de se causar prejuízos as políticas públicas implantadas de atendimento de criança e adolescentes, não sendo pertinente análise restritiva, qual seja, somente sob o ângulo do convênio firmado, à conta do repasse e as normas municipais

1 ZANCANER, Weida. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 56

.

 

Segundo a conceituação do Professor Hely Lopes Meirelles: “Convênios administrativos são acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes”.

Acrescente-se: “Convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato as partes tem interesses diversos e opostos; no convênio os partícipes têm interesses comuns e coincidentes. Por outras palavras, no contrato há sempre duas partes (podendo ter mais de dois signatários), uma que pretende o objeto do ajuste (a obra, o serviço etc), outra que pretende a contraprestação correspondente (o preço, ou qualquer outra vantagem), diversamente do que ocorre no convênio, em que não há partes, mas unicamente participes com as mesmas pretensões. Por essa razão, no convênio a posição jurídica dos signatários é uma só idêntica para todos, podendo haver apensas diversificação na cooperação de cada um, segundo suas possibilidades, para a consecução do objetivo comum, desejado por todos.” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 32a ed. Pg . 407, 408).

No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro define “convênio como forma de ajuste entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas para a realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração”. (Direito Administrativo São Paulo: Atlas, 19° ed., pg. 337).

 

Para Celso Antônio Bandeira de Mello “os convênios administrativos são contratos em que as partes se compõem pela comunidade de interesses, pela finalidade comum que as impulsiona” (Curso de Direito Administrativo, Malheiros: São Paulo. 2006).

É fato que a sociedade de economia mista, Petróleo Brasileiro, com escopo no programa “Desenvolvimento & Cidadania Petrobrás”, como instrumento estratégico de gestão no exercício de sua responsabilidade social em ações de apoio a políticas públicas voltadas a proteção integral à criança e ao adolescente, por conta dos incentivos fiscais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na legislação pertinente, efetiva repasses de verbas para o “Fundo da Infância e Juventude”, de forma a auxiliar na implantação de políticas públicas decididas pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente- CMCDA. Ao que se constatou, o Conselho deliberou que tais recursos seriam destinados para os projetos denominados “Casa de Passagem” e de “Proteção ao Abuso e a Violência Sexual” e para fortalecer os projetos e estratégias.

A execução do convênio firmado entre a Petrobrás, o Município de Jales e o CMCDA dar-se-á conforme o estabelecido no Plano de Trabalho relativo ao Projeto  Casa de Passagem – Regime de Abrigo” e “Programa de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – Projeto Sentinela cuja execução caberá respectivamente a Associação Regional Educacional de Defesa da Cidadania – A Rede da Cidadania e da ADERJ- Associação dos Deficientes Físicos da Região de Jales (cláusula segunda- fls. 17).

Como encargo do Conselho, repassar, em conjunto com o Município, os recursos no prazo de sessenta dias da data de sua assinatura, para as instituições responsáveis pela execução dos projetos, diga-se, a “rede da cidadania”, a ADERJ e o CMCDA de Jales (cláusula terceira- fls. 18).

Ainda, a movimentação do repasse deveria ser realizada, em conjunto, entre o Município e o Conselho e, que o aporte financeiro deveria ocorrer por meio de depósito em conta corrente do Fundo, na conta discriminada na cláusula 4.3 9 (fls. 19).

Anote-se, incontroverso nos autos que os valores a serem enviados ao município não foram efetivados na conta discriminada no convênio nem no prazo previsto, sendo o repasse efetivado pelo Presidente do CMDCA.

Não obstante, além da conta apontada no convênio, outras eram utilizadas pelo Fundo, cuja denominação era “contas fundos”, constando o CNPJ da Municipalidade e em decorrência das dificuldades de repasse de recursos, abriu-se conta com o CNPJ do Conselho. De conhecimento amplo tal circunstância com discussão visando a unificação das contas participando a Procuradoria Jurídica Municipal, Secretaria de Finanças, Chefe de Gabinete, representantes do Conselho e do Ministério Público local. (vide Sessão Plenária Ordinária do CMDCA de Jales, em 30.01.2009 – fls. 243/245).

Nessa seara, de notório saber do autor a existência de várias contas do Fundo, inclusive com o uso do CNPJ da Prefeitura Municipal, sendo certo que os valores depositados pela Petrobras foram efetivados em uma das “contas fundos” e não em outro beneficiário; para tanto se confira ao declaração bancária às fls. 41.

Informado que os recursos aprovados na Petrobras foram transferidos aos beneficiados designados e, em especial, que embora o convênio tivesse a previsão de repasse em 60 dias da data da assinatura, em virtude de dificuldades em realizar os repasses pela Petrobras, tal somente foi efetivado meses depois (fls. 173).

Aludida situação em nada desrespeitou a Lei Municipal n° 2.949/2005 regulamentada pelo Decreto n° 3.762/2006, que no artigo 6o atribui como competência do Conselho Municipal conceder auxílios e subvenções a entidades governamentais e não governamentais envolvidas no atendimento e defesa da Criança e do Adolescente e ao Fundo a gerência e critérios, aliás, tudo a demonstrar a indicação da nova conta o repasse efetuado conforme estipulado no acordo firmado, avisadas as entidades deste, bem como utilizado na execução dos programas, não se constatando desvio de finalidade dos valores nem danos ao erário.

 

Nessa seara, pontual destacar a manifestação do Ministério Público “a pretensão do governante é de fazer com que haja a devolução do recurso captado via fundo, junto a Petrobrás, para execução do projeto Casa de Passagem/ A Rede Cidadania, para fazer frente às obrigações do Município de Jales para com o Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público do Estado de São Paulo. Ou seja, além de não cumprir o seu próprio Decreto Municipal quanto a obrigação do repasse ao fundo de recursos aprovado na Lei Orçamentária Municipal, em duodécimos, pretende tirar recursos do fundo para cumprir suas obrigações enquanto governo para manutenção do abrigo/COREGA (manifestação da Procuradoria Jurídica às fls. 282/2840”.)

 

Hely Lopes Meirelles define ato administrativo como “toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.

A Administração Pública tem a possibilidade de convalidar os atos administrativos, com efeitos retroativos ao momento de sua execução – efeitos “ex tunc”, nos moldes da previsão contida no artigo 55 da Lei n° 9.784/1999, in verbis:

“Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuizos a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria administração”.

Celso Antônio Bandeira de Mello2 ressalta que: “só pode haver convalidação quando o ato possa ser produzido validamente no presente. Importa que o vício não seja de molde a impedir reprodução válida do ato. Só são convalidáveis atos que podem ser legitimamente produzidos”.

Segundo as lições de Weida Zancaner3, são passíveis de convalidação os atos que contêm os seguintes vícios: I) quanto à competência; I I ) quanto à formalidade, entendida como a forma própria prevista em lei para a validade do ato e III) quanto ao procedimento, desde que a convalidação não acarrete o desvio de finalidade, em razão da qual o procedimento foi inicialmente instaurado.

Deste modo, o instituto da convalidação visa corrigir o vício que macula o ato, preservando-se as relações jurídicas e as situações fáticas decorrentes do vício. De forma alguma tal representa afronta ao princípio da legalidade, considerada em seu sentido lato, uma vez que a Administração Pública estará agindo em conformidade com o direito, preservando o interesse público pela restauração da legalidade do ato.

A convalidação também deve guardar relação com o princípio da segurança jurídica orientado em certas situações pela desconstituição dos efeitos produzidos pelos viciados, ou seja, pela não convalidação e em outros para a  manutenção dos efeitos, visando conferir estabilidade às relações jurídicas oriundas de tais atos.

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2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativ/. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 417.

3 ZANCANER, Weida. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos. São Paulo, Malheiros, 2001, p. 56

Indiscutível que o Presidente do Conselho Municipal deveria obter a assinatura do Chefe do Executivo para o repasse das verbas da Petrobrás para as entidades beneficiadas. Todavia, o fato de efetuar a transferência dos valores sem o firmamento do Prefeito, não resulta na anulação do ato administrativo.

Ora, não vejo como sustentar tal invalidade, em especial, por não estar patenteado prejuízos nem ao erário, nem aos projetos em andamento, nem aos princípios da legalidade e da moralidade na conduta do Sr. Presidente do CMDCA, por conta da inobservância do sujeito competente e da realização de repasse de modo conjunto. Diante destes efeitos, tenho que o ato é passível de convalidação por parte da autoridade competente para tanto e não de anulação.

Bem ressalvado pela D. Procuradoria de Justiça “era possível o autor convalidar o ato praticado. E, mais que isso, era obrigatória a sua convalidação, haja vista que não estamos diante de um ato discricionário que contenha vício de competência (…), mas estamos frente a um ato vinculado a respeito do qual nem mesmo o Prefeito poderia agir modo diferente a não ser autorizar o repasse, haja vista os próprios termos do convênio assinado” (fls. 654/655).

A aplicação estrita da legalidade e do formalismo, não pode chegar a extremo capaz desestruturar projetos implantados e em funcionamento, destinados ao apoio de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, com a prioridade estabelecida no artigo 227, “caput”, da Constituição Federal.

Também, não se deve perder de alcance o fato dos recursos terem sido corretamente repassados para as entidades arroladas no convênio firmado, repassados em conta vinculada ao Conselho Municipal, bem assim que o descumprimento do prazo ajustado deu-se por atraso no repasse pela Petrobras e todos esses apontamentos serem de pleno conhecimento e anuência do Conselho Municipal, diga-se, órgão subordinado ao autor. Em contrapartida, a anulação do ato e a acolhida do pedido inicial resultaria a interrupção do atendimento e apoio aos menores beneficiados pelos programas, deixando-os em estado de abandono.

Desta forma, incongruente perquirir o repasse de recursos dos programas implementados e necessários as políticas de abrigo, abuso, exploração sexual e fortalecimento dos Conselhos, sob tese de “vício de forma”. Há, sim, que se respeitar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, interesse público e em especial, da proteção da criança e do adolescente.

Consequentemente, neste contexto, a improcedência da demanda era de rigor. Invertidos os ônus sucumbência.

Por derradeiro, considera-se pré-questionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observa considerando-se que é pacífico no Superior Tribunal de Justiça que, tratando-se de pré – questionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18205 / SP, Ministro FELIX FISCHER, DJ 08.05.2006 p. 240).

Isto posto, dá-se provimento aos recursos.

 

 

VERA ANGRISANI

Relatora

 

 

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