Defesa de Direitos Humanos com foco principal na criança e adolescente

Arquivo para a categoria ‘Acesso à Justiça’

O tratamento que a Justiça dá ao paciente com câncer

Apesar de ser uma doença cada vez mais recorrente e seu tratamento evoluir a cada dia, a notícia do diagnóstico de câncer choca e amedronta. E o universo de pessoas que enfrentam essa luta tende a crescer. Artigo publicado em abril passado na revista médica The Lancet revelou que o Brasil terá um aumento de 38% no número de casos de câncer durante esta década. Em 2020, deverão ser mais de 500 mil novos casos por ano no país.

O exercício de direitos previstos em lei e reconhecidos pela jurisprudência pode ser um estímulo ao paciente na busca por mais qualidade de vida e enquanto os sintomas perdurarem. Diversas normas brasileiras preveem tratamento diferenciado ao doente de câncer, como isenção de tributos, aposentadoria antecipada e acesso a recursos financeiros especiais.

A prioridade na tramitação de processos de interesse de pessoas com doenças graves, como o câncer, em todas as instâncias, está prevista no Código de Processo Civil (CPC). No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a jurisprudência traz relatos de diversas teses que dizem respeito aos pacientes oncológicos.

Isenção do IRPF

Ao lado do direito à aposentadoria por invalidez, o benefício da isenção de pagamento de Imposto de Renda sobre aposentadoria está entre os mais conhecidos pelos doentes de câncer. O dado é da pesquisa O conhecimento dos pacientes com câncer sobre seus direitos legais, realizada pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) e publicada em 2011. A mesma pesquisa ainda dava conta de que 45% dos pacientes desconheciam qualquer direito.

O STJ já tem jurisprudência firmada em recurso repetitivo no sentido de que o paciente oncológico faz jus à isenção do imposto sobre seus proventos (REsp 1.116.620). A doença está listada no artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88.

Recentemente, no julgamento do AREsp 198.795, a Segunda Turma definiu que o juiz é livre para apreciar as provas dos autos e não está adstrito ao laudo oficial para formação do seu convencimento sobre a ocorrência de câncer, na hipótese de pedido de isenção de IR. No caso, a Fazenda Nacional recorreu de decisão da segunda instância que concedeu o benefício.

A paciente havia se submetido à retirada de mama em razão de câncer. Para o STJ, sendo incontroversa a ocorrência da neoplasia maligna, é reconhecido o direito à isenção independentemente do estágio da doença, ou mesmo da ausência de sintomas.

A Primeira Turma tem o mesmo entendimento. Em 2008, ao julgar o REsp 1.088.379, o ministro Francisco Falcão ressaltou que, ainda que se alegue que a lesão foi retirada e que o paciente não apresenta sinais de persistência ou recidiva da doença, o entendimento no STJ é de que a isenção do IR em favor dos inativos portadores de moléstia grave tem como objetivo diminuir o sacrifício do aposentado, aliviando os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e medicações ministradas.

Outro ponto debatido na Corte diz respeito ao prazo para requerer a devolução do imposto descontado indevidamente. Ao julgar o REsp 1.215.188, a Segunda Turma reconheceu a natureza tributária do debate e aplicou o artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual o direito de pleitear a restituição extingue-se em cinco anos.

Proventos integrais

Se o paciente de câncer for considerado permanentemente incapaz para trabalhar, tem direito a aposentadoria antecipada. A exceção é para o caso de quando a doença já existir quando o trabalhador ingressar na Previdência Social. É a perícia do órgão que constata essa incapacidade. Se o aposentado por invalidez ainda necessitar de assistência permanente de outra pessoa, a depender da perícia médica, o valor do benefício será aumentado em 25% a partir da data do pedido, ainda que o valor ultrapasse o limite máximo previsto em lei.

Em setembro passado, a Primeira Seção concedeu aposentadoria por invalidez com proventos integrais a um servidor público acometido por câncer (melanoma). O servidor já havia obtido o benefício da isenção de IR. O relator, ministro Herman Benjamin, observou que tanto a aposentadoria integral como a isenção do Imposto de Renda decorrem de um mesmo fato comum (doença grave) e são benefícios inspirados por razões de natureza humanitária (MS 17.464).

Assim, afirmou o ministro, não há incompatibilidade na concessão simultânea de ambos os benefícios, especialmente se considerado que a própria lei estabeleceu que a isenção recai, precisamente, sobre os proventos de aposentadoria – a lei não previu isenção sobre os vencimentos de trabalhador ativo.

Levantamento do FGTS

A Lei Complementar 110/01 admite o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em única parcela, aos pacientes com câncer, independentemente do tipo e da gravidade. O mesmo vale para o saque do PIS/Pasep. Em 2002, o direito aplicado à neoplasia maligna foi, inclusive, estendido pelo STJ a pacientes com Aids, no julgamento do REsp 387.846.

Naquele julgamento, o relator, ministro Humberto Gomes de Barros, reafirmou que, sendo o doente de câncer ou Aids dependente, os pais trabalhadores podem sacar o FGTS (artigo 20, XI, da Lei 8.036/90 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8036compilada.htm). O pedido deve ser feito em uma agência da Caixa Econômica.

Seguro prestamista

O chamado seguro prestamista serve para o pagamento de saldo devedor de financiamentos adquiridos pelo segurado, em caso de morte ou invalidez. O STJ decidiu que a seguradora não pode se eximir do dever de pagamento da cobertura securitária, sob a alegação de omissão de informações por parte do segurado, se dele não exigiu exames médicos prévios à contratação do seguro. A tese está exposta no acórdão do REsp 1.230.233, analisado em 2011.

No caso, a seguradora foi obrigada a quitar o contrato de financiamento habitacional contratado por uma paciente com câncer de mama. Posteriormente, ela morreu por outra causa atestada em laudo, mas a Caixa Consórcios alegou que haveria a neoplasia preexistente e recorreu até ao STJ para tentar ser eximida do pagamento do seguro à filha da contratante.

Doença preexistente

Já em outro caso julgado este ano pela Terceira Turma (REsp 1.289.628), o STJ rejeitou recurso apresentado pela viúva e filhas de um segurado, falecido vítima de liposarcoma. Elas pleiteavam o pagamento de R$ 300 mil referentes ao seguro de vida.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, diante das provas do processo, reconheceu que, ao preencher o questionário sobre suas condições de saúde, o segurado deixou de prestar declarações verdadeiras e completas quanto à existência de doença grave por ele conhecida. Nessa hipótese, ficou caracterizada a má-fé, que afasta o direito da indenização securitária.

No STJ, o ministro Villas Bôas Cueva esclareceu que, segundo a jurisprudência do Tribunal, a seguradora pode alegar tratar-se de doença preexistente apenas se houver prévio exame médico, o que não ocorreu na hipótese, ou prova inequívoca da má-fé do segurado. Essa última situação foi constatada pelas instâncias anteriores, e o STJ não pode rever provas quando analisa um recurso especial (Súmula 7).

Para o ministro, uma vez reconhecida a má-fé do segurado na contratação do seguro, não há motivo para cogitar o pagamento da indenização. Embora o segurado tenha afirmado naquele momento que não ostentava nenhuma das doenças elencadas no questionário, as instâncias ordinárias entenderam que ele já tinha ciência de que era portador de um tipo de câncer com alto índice de recidiva.

Cobertura

Ao julgar o REsp 519.940, a Terceira Turma determinou que o plano de saúde cobrisse as despesas com a colocação de prótese para corrigir a incontinência urinária em um homem que havia retirado a próstata em razão de câncer.

Na ocasião, os ministros concordaram que, se a necessidade da prótese decorre de cirurgia coberta pelo plano, a seguradora não pode se valer de cláusula que proíbe a cobertura.

Dano moral presumido

O STJ garantiu o pagamento de indenização por dano moral a um segurado que teve recusado o custeio de tratamento de câncer pelo plano de saúde (REsp 1.322.914). A Terceira Turma atendeu ao recurso do segurado, aplicando a teoria do dano moral presumido (in re ipsa), que dispensa a demonstração de ocorrência do dano. O julgamento reverteu decisão de segunda instância e restabeleceu o valor de R$ 12 mil fixado na sentença para a indenização.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que “sempre haverá a possibilidade de consequências danosas para o segurado, pois este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente situação desfavorável de saúde, tanto física como psicológica”.

Para a ministra, é possível constatar consequências de cunho psicológico, sendo dispensável, assim, a produção de provas de ocorrência de danos morais. Para a Terceira Turma, a injusta recusa de cobertura de seguro de saúde agrava a situação de aflição psicológica do segurado, visto que, ao solicitar autorização da seguradora, ele já se encontrava em condição de abalo psicológico e saúde debilitada.

Reconstrução da mama

A discussão sobre o caráter da cirurgia de reconstrução de mama retirada em razão de câncer – se estética ou reparadora – é recorrente nos tribunais. Para o STJ, é abusiva a cláusula que exclui da cobertura a colocação de próteses em ato cirúrgico coberto pelo plano de saúde, conforme definido nos incisos I e VII do artigo 10 da Lei 9.656/98, ofendendo o inciso IV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, salvo se empregadas para fins estéticos ou não ligadas ao ato cirúrgico.

Ao julgar o REsp 1.190.880, a ministra Nancy Andrighi condenou a Bradesco Saúde a pagar R$ 15 mil como indenização por dano moral a uma segurada. Ela teve de se submeter à retirada de mama, mas ante a recusa do plano, viu-se obrigada a dar cheque sem fundos ao hospital. Posteriormente, conseguiu na Justiça a compensação pelo valor despendido no procedimento (R$ 32 mil), mas somente o STJ veio a reconhecer a ocorrência do dano moral.

“À carga emocional que antecede uma operação somou-se a angústia decorrente não apenas da incerteza quanto à própria realização da cirurgia, mas também acerca dos seus desdobramentos, em especial a alta hospitalar, sua recuperação e a continuidade do tratamento, tudo em virtude de uma negativa de cobertura que, ao final, se demonstrou injustificada, ilegal e abusiva”, refletiu a relatora.

Fornecimento de medicamentos

Em diversos julgamentos, o STJ ratificou entendimento de outras instâncias de que é solidária a responsabilidade dos entes federativos em relação ao dever de fornecer medicamentos aos usuários do SUS. “A responsabilidade em matéria de saúde, aqui traduzida pela distribuição gratuita de medicamentos em favor de pessoas carentes, é dever do estado, no qual são compreendidos todos os entes federativos”, afirmou a ministra Eliana Calmon no julgamento do AREsp 306.524.

O caso tratava de fornecimento gratuito de suplemento nutricional denominado prosure e isossoure a um grupo de portadores de câncer, por no mínimo seis meses, uma vez que se encontravam inválidos e em tratamento domiciliar. A condenação recaiu sobre o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Ceará, e ambos recorreram ao STJ, sem sucesso.

O STJ também tem diversos precedentes que consideram abusiva a cláusula contratual que exclui da cobertura do plano de saúde o fornecimento de medicamento para quimioterapia, tão somente pelo fato de ser ministrado em ambiente domiciliar.

Ao julgar o REsp 183.719, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que a exclusão de cobertura de determinado procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do contrato.

Em outra decisão (AREsp 292.259), o ministro Raul Araújo salientou que a seguradora não pode alegar desequilíbrio do contrato se há previsão para cobertura da doença. “Não importa se o medicamente deve ser aplicado na residência do paciente ou no hospital, o fato é que ele é destinado ao tratamento da doença, tendo assim cobertura”, afirmou o ministro.

Posse em concurso

No julgamento do AREsp 76.328, em 2011, o ministro Cesar Asfor Rocha (hoje aposentado) entendeu ser impossível rever fatos e provas a ponto de alterar decisão de segunda instância que garantiu a posse de uma candidata em concurso público. Acometida por câncer de mama, ela já havia concluído o tratamento quando foi nomeada. Apresentou atestado, relatório e perícia médica do INSS para demostrar a aptidão para o trabalho, mas o órgão tornou sem efeito a nomeação.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais considerou abusiva a exigência do transcurso de cinco anos de sua cirurgia de retirada do tumor, como condição para posse. Para o tribunal, trata-se de fator de risco de recidiva, fator incerto e futuro, que não pode ser empecilho para a posse.

Em outro caso (AREsp 185.597), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul não teve admitido recurso em que contestava a posse – garantida pelas instâncias anteriores – de uma candidata em concurso público. Ela foi considerada inapta no exame físico, em razão do diagnóstico de câncer de mama. Obteve, depois, na Justiça, o direito de assumir o cargo, com recebimento de parcelas atrasadas. O ministro Humberto Martins destacou que o entendimento manifestado até então no processo estava de acordo com a jurisprudência do STJ, o que impediu a admissão do recurso.

Situação semelhante foi apreciada no REsp 1.042.297. A Universidade Federal de Alagoas alegava que “a pessoa portadora de neoplasia maligna necessitaria de tratamento contínuo e eficiente a fim de evitar a recidiva da doença e garantir sua sobrevivência, não podendo, portanto, desenvolver com regularidade a sua função”. A candidata havia se submetido à retirada de uma mama em razão de câncer.

O ministro Arnaldo Esteves Lima disse que rever a decisão de segunda instância, favorável à candidata, exigiria análise de provas, o que não é possível no STJ. Além disso, a divergência com casos anteriormente julgados pelo Tribunal Superior não foi demonstrada pela universidade.

Vaga em universidade

Ao julgar o REsp 1.251.347, a Segunda Turma assegurou a uma estudante acometida por câncer a transferência para outra universidade, a fim de dar seguimento ao tratamento da doença (linfoma de Hodgkin). Ela cursava Comunicação Social na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e ingressou com mandado de segurança para ter garantida uma vaga na Universidade Federal de Santa Catarina, pela necessidade de estar junto aos familiares e de ter a doença sob controle.

A decisão favorável à estudante considerou necessária a observância de seus direitos fundamentais, como a saúde e a educação. Como foram tratados temas constitucionais, o ministro Herman Benjamin entendeu ser impossível rever a questão no STJ, que trata de matéria infraconstitucional. Em outro ponto, em que se alegava que a transferência constituiria burla ao vestibular, o ministro rejeitou o argumento considerando que a estudante foi aprovada no concurso para ingresso na UFSM.

Prisão domiciliar

Quando a matéria é penal, o paciente oncológico também pode receber tratamento diferenciado da Justiça. Há jurisprudência no STJ que reconhece o direito à prisão domiciliar para aquele que está acometido por doença grave, como o câncer, a ponto de não resistir ao cárcere. Foi o entendimento aplicado pela Sexta Turma ao julgar o HC 278.910. No caso, fez-se uma “substituição da prisão preventiva, calcada em motivos de ordem humanitária”.

O preso de 63 anos, sofrendo de câncer de próstata, havia sido internado, sob custódia, por 44 dias. A situação, para os ministros, preencheu a exigência legal para a concessão da prisão domiciliar, isto é, estar “extremamente debilitado por doença grave”. A Turma levou em conta a previsão da neoplasia maligna como doença grave contida na Lei 7.713, que trata da isenção de Imposto de Renda.

Em outro caso (RHC 22.537), julgado em 2008, a Turma também determinou a prisão domiciliar, mas ressalvou que o benefício deveria perdurar apenas enquanto a saúde do agente assim o exigisse, cabendo ao juízo de primeiro grau a fiscalização periódica dessa circunstância.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça via FOSTER advogados Associados

COMO PESSOAS SUBMETIDAS A TRATAMENTO CRUEL, DESUMANO E DEGRADANTE PODERÃO ATUAR COM SENSO DE JUSTIÇA?

A frase usada no título é de Ariel De Castro Alves

Até fim de julgamento do Carandiru, jurado ficará mais enclausurado que réu

ROGERIO PAGNAN
LEANDRO MACHADO
DE SÃO PAULO

Massacre do Carandiru Sem jornal, rádio, TV, celular, internet ou qualquer outra comunicação com o mundo exterior. Nos grandes julgamentos no Brasil, como o do massacre do Carandiru, os jurados ficam mais enclausurados do que próprio réu.

Julgamento do Carandiru é suspenso e deve continuar hoje

“Mesmo quando o acusado está na prisão, ele se desloca, vai para penitenciária, volta, conversa com amigos, recebe visitas. O jurado, não. Ele fica mais preso do que o réu”, diz o juiz Antonio Galvão, indicado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para explicar como os jurados são escolhidos.

A razão disso é uma determinação da lei que obriga a incomunicabilidade entre jurados. “Uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do conselho e multa”, diz trecho do Código do Processo Penal.

Ed. de arte/Folhapress

Os sete jurados que participam do julgamento de 26 policiais militares acusados de participação na morte de 15 presos do Carandiru, por exemplo, ficam 24 horas no subsolo do prédio do fórum da Barra Funda (zona oeste).

Tanto no plenário quando no alojamento, que são anexos, não há uma janela sequer. Não há, assim, iluminação ou ventilação natural. É impossível saber se é dia ou noite.

Esse julgamento foi ameaçado de nova suspensão após um dos jurados passar mal. A sessão de anteontem foi interrompida com o incidente.

Embora a lei não proíba expressamente que o jurado tenha acesso a TV ou rádio, é praticamente regra entre os juízes esse veto em júris de longa duração. O objetivo é evitar uma eventual influência.

Galvão diz ser contrário a essa regra. “Não vejo óbice de a pessoa ver TV. Acho uma tremenda burrice essa questão da incomunicabilidade. Mas está na lei, tem de cumprir.”

Para ele, assim como em alguns Estados norte-americanos, os jurados poderiam dormir em casa. “Não justifica você prender o jurado uma semana numa situação. A lei precisa mudar.”
hotel

A legislação também não determina que o jurado fique no mesmo prédio do julgamento. Isso é feito em razão de economia. Em Minas Gerais, por exemplo, os jurados do julgamento da morte Eliza Samudio ficaram em um confortável hotel. A juíza Marixa Rodrigues chegou a autorizar que eles falassem com seus familiares por telefone.

Uma pequena parte das pessoas que participam de júris se candidata. A maioria é convocada pela Justiça e está sujeita a multas de um a dez salários mínimos se não comparecer na data determinada.

Julgamento do Carandiru

Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Anterior Próxima

Os promotores Doutor Marcio Friggi (esquerda) e Fernando Pereira da Silva, no Fórum da Barra Funda (zona oeste de SP), onde ocorre o julgamento dos réus PMs acusados de participarem do chamado Massacre do Carandiru Leia mais

JULGAMENTO

Foram ouvidas seis testemunhas de defesa na terça-feira (16). Entre elas estava o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho, que afirmou durante os 40 minutos de depoimento que “a ordem para a entrada [no presídio do Carandiru] foi absolutamente necessária e legítima, apesar de não ter ordenado a invasão.

Além de Fleury, foi ouvido também o ex-secretário de segurança de São Paulo Pedro Franco de Campos. Ele afirmou que “a necessidade de entrada da Polícia Militar na Casa de Detenção era absolutamente incontestável.

Campos disse que foi informado pelo coronel Ubiratan Guimarães de que era necessário invadir o pavilhão 9 do Complexo do Carandiru devido à rebelião que acontecia no local. Segundo ele, as autoridades temiam que o confronto entre presos se estendesse também para o pavilhão 8. “Havendo necessidade, o senhor está autorizado a entrar”, disse ele ao coronel que comandou a invasão.

Foi ouvida ainda a juíza Sueli Zeraik Armani, convocada pela defesa para falar de rebeliões em presídios do Estado. O depoimento durou cerca de dez minutos.

Mais cedo foi ouvido o desembargador Luiz Augusto San Juan França, que afirmou ter havido confronto entre presos e policiais no dia da invasão. A afirmação contradiz as testemunhas ouvidas na segunda, que afirmavam ter havia agressão por parte dos PMs. “Na nossa sindicância, sei que havia policiais feridos, mas não me recordo se por arma de fogo”, afirmou ele.

Já tinha sido ouvido ainda o desembargador Fernando Antonio Torres, juiz da Corregedoria dos presídios na época do massacre. Ele também voltou a dizer que houve ataque dos presos contra os PMs, mas destacou que houve excesso na ação da Polícia Militar durante a invasão do local.

Um dos juízes que participaram das reuniões que autorizaram a entrada da tropa, hoje o desembargador Ivo de Almeida, disse que não viu nenhum preso sendo executado pelos PMs durante o massacre de 1992, como afirmou na segunda-feira (15) o ex-diretor do Carandiru Moacir dos Santos.

Almeida afirmou ainda que a entrada da PM foi necessária porque a unidade estava fora de controle. “Nossa preocupação era manter a integridade física deles. Poderia haver uma carnificina lá dentro”, disse.

No primeiro dia de júri, ocorrido na segunda-feira (15), foram ouvidas as cinco pessoas arroladas pela acusação. O último foi o perito criminal Osvaldo Negrini Neto que afirmou ter sido impedido de entrar na penitenciária após o crime e que quando conseguiu viu que a cena já tinha sido modificada.

“Ficou claro para mim que não queriam que fosse feita a perícia. O local foi lavado, as celas já estavam reorganizadas. A única coisa que não conseguiram mudar foram os indícios de marcas de bala nas paredes das celas”, disse o perito que apontou não haver evidência de que presos tenham atirado contra policiais.

Antes de Negrini Neto, foi ouvido o agente penitenciário Moacir dos Santos. Ele definiu o episódio como uma execução e disse ainda que mesmo após o Massacre, presos que já estavam no pátio, rendidos, nus, foram levados pela polícia de volta para o prédio para retirar corpos de mortos e acabaram fuzilados.

Antes dele, foram ouvido ainda três ex-detentos do Carandiru. Luiz Alexandre de Freitas disse ter sobrevivido porque se escondeu sob corpos. “Escondi debaixo dos mortos para não morrer também”,

Outra testemunha foi Marco Antônio de Moura, que afirmou que policiais atiraram em direção à cadeia de dentro de um helicóptero. “Tinha presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas balas e morreram”.

Foi ouvido ainda o ex-detento, Antônio Carlos Dias, que disse acreditar que o número de mortos no massacre foi ao menos o dobro dos 111 divulgados oficialmente. “Só os corpos que vi saindo do segundo andar eram mais de cem pessoas. Esses 111 eram as pessoas que tinham família, que recebiam visitas”, disse.

Editoria de Arte/Folhapress
Clique para ler
Clique para ler

 

Então o problema da impunidade não está na idade, não é mesmo??? Aos defensores da menor idade penal, fica claro que a diferença social e econômica?

 
BURGUESIA MONTA NA JUSTIÇA

Filho estuprador de dono do RBS é condenado à liberdade assistida 13 de Agosto de 2010

A juíza Maria de Lourdes Simas Porto Vieira, da Infância e Juventude de Florianópolis (SC), condenou dois adolescentes de 14 anos à “liberdade assistida” por seis meses por estupro de uma garota de 13 anos.

Um dos adolescentes é filho de um delegado e outro, de Sérgio Sirotsky, da família detentora do Grupo RBS de comunicação.

Além da “liberdade assistida”, os jovens terão de prestar serviços comunitários durante oito horas por semana.

A família da vítima ficou perplexa com a decisão da juíza porque esperava que os adolescentes fossem internados em uma instituição de menores delinquentes.

Francisco Ferreira, advogado da família, já esperava que houvesse uma pena abrandada por causa da influência da família Sirotsky. O Grupo RBS controla 46 emissoras de televisão filiadas à Rede Globo, emissoras de rádios e oito jornais no sul do país.

Ferreira vinha afirmando que, se os jovens infratores fossem negros e pobres, já teriam sido enviados à internação.

Os jornais do RBS só noticiaram o caso quando um blog divulgou um texto do jovem Sirotsky assumindo o estupro.

No início das investigações, Nivaldo Rodrigues, o então diretor da Polícia Civil de Florianópolis, disse que houve “conjunção carnal”, mas que não poderia afirmar que tinha ocorrido estupro porque “não estava presente”. Rodrigues teve de pedir demissão por causa dessa declaração.

Na denúncia (acusação formal) que enviou à Justiça, a promotora Walkyria Ruicir Danielski, da Infância e Juventude, não sugeriu nenhuma punição, embora pudesse fazê-lo. Mas em entrevista ela disse que o caso não seria de internação.

O estupro ocorreu na noite de 14 de maio deste ano no apartamento em que o jovem Sirotsky mora com a mãe, que é divorciada. A garota disse que não estava em sua plena consciência porque tinha bebido vodka oferecida pelos adolescentes. Além disso, ela desconfia que houvesse sonífero na bebida.

Em um diálogo atribuído ao jovem Sirotsky com alguém não identificado na rede social Formspring, ele debocha da possibilidade de ser punido pelas autoridades.

O interlocutor perguntou se temia ser preso. Resposta: “Tu tá zoando”.

Com informações da TV Record.

Leia mais em http://www.paulopes.com.br/2010/08/filho-de-dono-da-rbs-e-condenado.html#ixzz2QicKoebW

Ministro suspende condenação a Paulo Henrique Amorim

 

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar para suspender decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou Paulo Henrique Amorim a pagar R$ 250 mil de indenização ao banqueiro Daniel Dantas, por publicações ofensivas em seu blog Conversa Afiada.

O blogueiro havia ingressado com Reclamação no STF pedindo a anulação da decisão, porém, desitiu do pedido após o caso ter sido distribuído ao ministro Marco Aurélio. Poucos dias depois, ingressou com nova Reclamação na corte, que foi, por sua vez, distribuída ao ministro Celso de Mello, que acatou o pedido.

A concessão da liminar baseou-se na decisão proferida pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, na qual a Corte declarou que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) é incompatível com a Constituição Federal. O ministro também destacou a Declaração de Chapultepec, que enfatiza que o exercício da liberdade de imprensa “não é uma concessão das autoridades”, e sim “um direito inalienável do povo”.

Ao apreciar o pedido, o ministro Celso de Mello disse que a questão assume magnitude de ordem político-jurídica, sobretudo diante dos aspectos constitucionais analisados no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130. Nele, “o STF pôs em destaque, de maneira muito expressiva, uma das mais relevantes franquias constitucionais: a liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado Democrático de Direito”, assinalou.

A decisão ressalta que a Declaração de Chapultepec, adotada em março de 1994 pela Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão, consolidou princípios essenciais ao regime democrático e que devem ser permanentemente observados e respeitados pelo Estado e por suas autoridades e agentes, “inclusive por magistrados e tribunais judiciários”. O decano do STF observa que, de acordo com o documento, “nada mais nocivo, nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão (ou de ilegitimamente interferir em seu exercício), pois o pensamento há de ser livre — permanentemente livre, essencialmente livre, sempre livre”.

O exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, para Celso de Mello, “assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades”. No contexto de uma sociedade democrática, portanto, o ministro considera “intolerável” a repressão estatal ao pensamento. “Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento”, afirmou, citando ainda precedentes neste sentido do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

O ministro Celso de Mello explica que todos esses aspectos foram examinados na ADPF 130, o que torna pertinente a alegação da defesa do jornalista de ofensa à eficácia vinculante daquele julgamento.

Em dezembro de 2009, em nota veiculada no blog de Paulo Henrique Amorim, o banqueiro Daniel Dantas foi ofendido nos comentários sendo chamado de “maior bandido do país”, “banqueiro bandido”, “miserável” e “orelhudo”. O banqueiro ajuizou ação indenizatória, que em primeira instância foi julgada improcedente.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença e condenou o jornalista, por considerar que a publicação representou “abuso do direito de informar”. No acórdão, o jornalista foi responsabilizado por comentários anônimos de leitores que, segundo os desembargadores, são publicados com seu aval.

Amorim ingressou com Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça, na tentativa de cassar o acórdão do TJ-RJ. Na sequência, ajuizou Medida Cautelar para que fosse dado efeito suspensivo ao Recurso Especial, alegando que, sem essa providência, a condenação poderia vir a ser executada provisoriamente, o que o levaria a sofrer bloqueio de bens e prejuízos de difícil reparação. A Medida Cautelar foi indeferida por não ficar demonstrada a existência do risco iminente. O STJ ainda não julgou o Recurso Especial.

Entidades que denunciaram Brasil à OEA querem o fim das revistas íntimas a visitantes de presos

Alex Rodrigues

Repórter Agência Brasil

Brasília As entidades que denunciaram o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), devido ao que classificam como grave situação do Presídio Central de Porto Alegre, querem o fim das revistas íntimas nos visitantes e a garantia de que todos os presos tenham o direito à defesa garantido. Os dois temas integram a relação de medidas cautelares solicitadas na denúncia.

Assinado por oito entidades ligadas aos direitos humanos, o documento entregue ao representante da CIDH, com 104 páginas com fotos da unidade prisional e depoimentos de presos, traz outros 18 pedidos de medidas cautelares. O objetivo do grupo é levar a União a intervir no estado para sanar os problemas da penitenciária, apontada como a pior do país pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, realizada pela Câmara dos Deputados entre 2007 e 2008.

Para pôr fim à revista íntima dos visitantes, as entidades sugerem a construção de um local adequado para que os presos recebam seus parentes e amigos fora do espaço de reclusão. Assim, ao invés de constranger as visitas, a fim de evitar a entrada no presídio de objetos proibidos, os agentes penitenciários revistariam os detentos quando eles retornassem para as celas.

As entidades também pedem a proibição do ingresso de novos presos na unidade, considerada superlotada. De acordo com elas, o presídio de Porto Alegre, construído em 1959, tem capacidade para 1.984 presos, mas abriga 4.086.

O grupo também pede à comissão que recomende ao governo brasileiro a transferência para outras unidades prisionais dos presos que excederem a capacidade do Presídio Central. E que mais estabelecimentos sejam construídos na região metropolitana de Porto Alegre.

As entidades também cobram que os presos provisórios sejam separados dos já condenados, assim como os portadores de doenças infectocontagiosas, para evitar a propagação de enfermidades. As entidades cobram também atendimento médico, psicológico e odontológico adequado para os presos e o devido tratamento das doenças diagnosticadas.

Há ainda pedidos de medidas cautelares para que seja garantido o acesso de todos os presos ao trabalho e à educação e o fornecimento de alimentação apropriada, de roupas e de camas individuais. E outras que apontam para a estrutura precária do edifício, já que cobram melhorias nas instalações elétricas, hidráulicas e sanitárias.

Procuradas, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e as assessorias do governo gaúcho e da Secretaria Estadual de Segurança Pública ainda não se manifestaram sobre a denúncia.

Assinam a representação a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (RS); a Associação do Ministério Público do RS; a Associação dos Defensores Públicos do RS; o Conselho Regional de Medicina; o Conselho da Comunidade para Assistência aos Apenados das Casas Prisionais; o Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia; o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais e a organização não governamental (ONG) Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero.

Edição: Davi Oliveira

STF em crise

Todo mundo sabe como certos desastres terminam

 

Por Paulo Moreira Leite, no blog Vamos Combinar

A descoberta de que em 1995 o ministro Celso de Mello proferiu um longo voto no qual defendia que apenas o Congresso tinha poderes para cassar o mandato de um parlamentar ilumina vários aspectos do julgamento do mensalão.

Decano do STF, em 1995 o ministro sustentou, com base no artigo 55 da Constituição, que:

“A norma inscrita no art. 55, § 2o, da Carta Federal, enquanto preceito de direito singular, encerra uma importante garantia constitucional destinada a preservar, salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar, a intangibilidade do mandato titularizado pelo membro do Congresso Nacional, impedindo, desse modo, que uma decisão emanada de outro poder (o Poder Judiciário) implique, como conseqüência virtual dela emergente, a suspensão dos direitos políticos e a própria perda do mandato parlamentar.”

“(…) É que o congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua própria Casa Legislativa.”

“Não se pode perder de perspectiva, na análise da norma inscrita no art. 55, § 2o, da Constituição Federal, que esse preceito acha-se vocacionado a dispensar efetiva tutela ao exercício do mandato parlamentar, inviabilizando qualquer ensaio de ingerência de outro poder na esfera de atuação institucional do Legislativo.”

Vamos prestar atenção: Celso de Mello está dizendo com todas as letras que, “salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar,” o mandato possui a garantia constitucional da intangibilidade, impedindo que “uma decisão emanada de outro poder (o Poder Judiciário), implique a suspensão dos direitos políticos e a própria perda do mandato.” Diz ainda o ministro que o mandato só pode ser cassado “por efeito exclusivo” de uma deliberação “tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua própria Casa Legislativa.”

Precisa mais?

Precisa. Em outra passagem daquele voto, Celso Mello faz questão de estabelecer diferenças entre a Carta em vigor, a de 1988, e a Emenda Constitucional anterior, de 1969, que procurava formatar as leis da ditadura nascida com o AI-5. Era um cuidado importante. A carta da ditadura, que autorizava o funcionamento de um Congresso controlado, onde o presidente da República divulgava lista de cassados sem o menor pudor, dizia em seu artigo 149 que o “Presidente” e o “Poder Judiciário” poderiam cassar mandatos.

Os próprios parlamentares estavam excluídos dessa decisão. Compreende-se. Mesmo num regime sem liberdade partidária, e imensa repressão sobre as organizações populares, em especial dos trabalhadores, eles poderiam causar dores de cabeça.

Neste aspecto, a ditadura era coerente. Subtraia dos representantes do povo – mesmo eleitos naquelas circunstâncias difíceis de um regime militar – o direito de deliberar sobre a cassação de um mandato. Examinando as duas cartas, Celso Mello conclui que uma decisão de outro poder – fala explicitamente do Poder Judiciário – poderia representar uma “tutela” ao “exercício do mandato parlamentar” e que a finalidade do artigo 55 era inviabilizar “qualquer ensaio de ingerência” sobre o Legislativo.

Precisa mais?

Precisa. O voto de Celso Mello em 1995 está longe de ser um caso isolado. Até muito recentemente, era um ponto pacífico para vários ministros da casa. Vários votaram no mensalão – para sustentar que o Supremo tem o direito de cassar mandatos.

Em 2011, no julgamento de um deputado condenado pelo STF por esterilização ilegal de mulheres no interior do Pará, os ministros também votaram sobre a cassação de mandatos. Alguns votos são significativos, conforme levantamento feito pelo repórter Erick Decat, divulgado dias atrás por Fernando Rodrigues:

Luiz Fux, revisor – página 173 do acórdão: “Com o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados e oficie-se a Câmara dos Deputados para os fins do art. 55, § 2º, da Constituição Federal.

Marco Aurélio – página 177 do acórdão: “Também, Presidente, ainda no âmbito da eventualidade, penso que não cabe ao Supremo a iniciativa visando compelir a Mesa diretiva da Câmara dos Deputados a deliberar quanto à perda do mandato, presente o artigo 55, inciso VI do § 2º, da Constituição Federal. Por quê? Porque, se formos a esse dispositivo, veremos que o Supremo não tem a iniciativa para chegar-se à perda de mandato por deliberação da Câmara”.

Gilmar Mendes – página 241 do acórdão: “No que diz respeito à questão suscitada pelo Ministro Ayres Britto, fico com a posição do Relator, que faz a comunicação para que a Câmara aplique tal como seja de seu entendimento

Ayres Britto (já aposentado) – página 226 do acórdão: “Só que a Constituição atual não habilita o Judiciário a decretar a perda, nunca, dos direitos políticos, só a suspensão”.

Cezar Peluso (já aposentado) – página 243 do acórdão: “A mera condenação criminal em si não implica, ainda durante a pendência dos seus efeitos, perda automática do mandato. Por que que não implica? Porque se implicasse, o disposto no artigo 55, VI, c/c § 2º, seria norma inócua ou destituída de qualquer senso; não restaria matéria sobre a qual o Congresso pudesse decidir. Se fosse sempre consequência automática de condenação criminal, em entendimento diverso do artigo 15, III, o Congresso não teria nada por deliberar, e essa norma perderia qualquer sentido”.

Vamos ler de novo?

Fux não manda cassar. Pelo contrário: manda oficiar a mesa para “os fins do artigo 55”, que exige deliberação por voto secreto e maioria absoluta – da cassação. Para Marco Aurélio, “não cabe ao Supremo a iniciativa visando compelir a Mesa diretiva da Câmara dos Deputados a deliberar quanto à perda do mandato, presente o artigo 55, inciso VI do § 2º, da Constituição Federal.” Gilmar Mendes pede que se comunique a decisão à Câmara para que a “aplique tal como seja de seu entendimento.”

Claro que ninguém está impedido de mudar de opinião ao longo da vida. Muitas vezes, essa mudança é indispensável e positiva. Quem pode julgar?

O voto de Celso de Mello em 1994 está longe de ser uma analise conjuntural. Aponta para traços permanentes que distinguem a Constituição cidadã de 1988, sem “ingerência de outro poder”, daquela de 1969, que previa cassação de mandatos pelo poder judiciário, como o Supremo fez com Chico Pinto em 1976.

Parece óbvio que ele – e outros colegas do STF – mudaram de opinião com o passar do tempo. Ao julgar o mensalão do PT, concluíram que o artigo 55 está errado.

Passaram a ter receio de que os parlamentares não cassem o mandato dos deputados condenados à pena de prisão.

Concordo que pode ser absurdo, mas está na lei e é um direito deles. E se os parlamentares concluírem, após ampla defesa, que o mandato não deve ser cassado? É feio? Escandaloso? Imoral?

Repito: feio, escandaloso e imoral é romper a Constituição, desastre que todos sabem como começam e, para evitar reações em contrário, fingem não saber como terminam. (Todos sabem como terminam, não é?)

Em 2012, pelo menos quatro ministros do STF dizem que essa prerrogativa está errada. Dizem que ela pode criar o inconveniente de ter um político na cadeia – com o mandato no bolso.

Embora os juízes tenham mudado de opinião, a Constituição permanece a mesma. Passou por várias reformas, recebeu emendas, mas o artigo 55 permanece lá, em seu formato original. O texto é o mesmo, com todos os seus parágrafos e vírgulas. Temos então, um debate político — e não jurídico. A discussão é de outra natureza.

Quem quer mudar a Lei Maior, só precisa respeitar o artigo primeiro, que diz que todo poder emana do povo e será exercido por seus representantes eleitos – e aprovar uma emenda constitucional.

Não vale dizer que a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é.

Sabe por que? Isso pode ser válido nos Estados Unidos, país que criou uma democracia aristocrática, com voto indireto, sem uma Assembléia Constituinte, colocando acertos de cúpula acima da manifestação popular. Não custa lembrar que George W. Bush foi empossado por decisão da Suprema Corte.

No caso do Brasil, essa visão ignora a história do país. Os brasileiros conquistaram sua soberania no fim da ditadura ao eleger uma Constituinte pelo voto direto e secreto, rejeitando emendões, remendos e monstrengos variados que se queria impor a partir do alto. A Constituinte foi a resposta democrática contra as tentativas de fazer uma recauchutagem na ditadura.

Traumatizados por mandatos cassados conforme as conveniências dos generais, os constituintes fizeram questão de reforçar suas prerrogativas.

Todo mundo adora Raul Seixas mas ninguém precisa cair no rock da metamorfose ambulante nessa matéria. E a tal segurança jurídica?

A Carta pode ser modificada, sim. Mas a palavra final está no artigo primeiro, aquele que diz que todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos.

Esta é a questão.

Por fim, uma observação. É curioso que uma descoberta relevante sobre um dos ministros mais influentes e respeitados do STF tenha sido obra de um tuiteiro anônimo. Não foi assim uma revelação bombástica. O voto estava lá, nos arquivos do STF.

O tuiteiro se apresenta com o pseudônimo de Stanley Burburinho, e deve ter lá seus motivos para não revelar a identidade.

O Brasil do início dos séculos XVII e XIX possuía vários personagens dessa natureza, que se escondiam atrás de nomes falsos e apelidos estranhos. O mais conhecido era um padre do Recife, chamado de O Carapuceiro, que publicava um panfleto com notícias políticas e denúncias.

Mas vivíamos sob o absolutismo, da Coroa portuguesa e depois sob a Constituição promulgada sob a espada de Pedro I. A Censura era vista como um dado normal da vida pública, assim como o trabalho escravo.

Nada a ver com os tempos da Constituição de 1988, concorda?

Agentes federais pedem o fim do inquérito policial

Entidade de classe defende que Polícia se limite a investigar, o que tornaria o processo mais ágil e garantiria o direito de defesa de acusados

Por: Carolina Gonçalves, da Agência Brasil

 

Agentes federais pedem o fim do inquérito policial Boneco de elefante branco simboliza anacrotismo do inquérito policial (Foto:Elza Fiúza/ABr)

Brasília – Policiais federais pediram na manhã de hoje (9), na capital federal, mudanças nos processos de investigações criminais e o fim do inquérito policial. Para simbolizar a reivindicação, eles usaram um balão inflável no formato de um elefante branco, de quase 3 metros de altura, onde está escrita a expressão “inquérito policial”.

“No mundo todo, somos o único país que trata a questão criminal com esse instrumento. Será que somos os únicos certos ou será que estamos ultrapassados? Isso tem que acabar. Polícia tem que investigar, relatar e passar os fatos para o Ministério Público. Polícia não tem que julgar”, defendeu o presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (Sinpol/DF), Jonas Leal.

Durante todo o dia de hoje (9), um grupo de agentes ficará em frente à Torre de TV, uma das principais atrações turísticas da cidade, para iniciar a campanha na capital federal. Nos próximos dias, os moradores de Brasília poderão se deparar com o balão, que será instalado em diferentes locais da cidade. O elefante branco já passou pelas capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Agentes federais relataram que o inquérito tem sido usado em ações corruptas. Segundo eles, o processo facilita o objetivo de pessoas que têm interesse em retardar o julgamento de crimes ou ainda esconder as investigações. “As consequências do inquérito são sempre a impunidade e corrupção”, disse Leal.

O presidente do Sinpol/DF acrescenta que o procedimento representa pouca qualidade na apuração dos fatos. Ele lembra que, durante o inquérito, não existe direito de defesa das partes acusadas. “É só inquisitório, só pergunta. O acusado só pode apresentar a defesa quando chega à Justiça”, disse o policial, destacando que, até o caso chegar aos tribunais, o acusado pode ficar preso por dias sem que exista comprovação de seu envolvimento no crime.

“Não seria mais prático fazer o relatório e entregar para o Ministério Público que avalia e manda para o Judiciário? Teria mais celeridade. Nos Estados Unidos, as coisas chegam a ser julgadas no mesmo dia. Aqui, você chega às delegacias e tem pilhas de inquéritos acumuladas ao longo de meses”, criticou Leal.

STF deu o golpe e assumiu o poder

 

Berna (Suiça) – A mais recente tentativa de golpe pelo STF foi no julgamento do italiano Cesare Battisti, ameaçado de extradição a pedido do governo Berlusconi. Num artigo publicado na época, alertei quanto à tentativa de golpe pelo STF. O objetivo do Supremo, presidido então por Gilmar Mendes, era o retirar do presidente Lula o direito, que lhe era garantido pela Constituição, de decidir se Battisti seria ou não enviado ao governo italiano.

Antes disso houve, e o ex-ministro da Justiça,  Tarso Genro, denunciou diversas vezes, a inconstitucionalidade da decisão tomada pelo STF, ultrapassando seus poderes, de ignorar a decisão do ministro da Justiça negando expatriar Cesare Battisti. Gilmar Mendes e Peluso tudo fizeram para expatriar Battisti, julgando-se mais competentes na matéria que o Ministério da Justiça e, atingido esse objetivo, queriam se sobrepor ao direito do presidente Lula dar a última palavra. Essa tentativa de somar mais poder e desmoralizar o presidente se frustrou e Lula deu acolha ao italiano, que tinha passado mais de dois anos ilegalmente preso.

Porém ficou evidente – o STF era incompetente na questão Battisti, seu longo julgamento deve ser considerado nulo e desnecessário, pois a questão já havia sido resolvida pelo ministro da Justiça. Em todo caso, desrespeitando o princípio constitucional da equiparação dos Poderes, o STF decidiu por maioria de um voto pela extradição de Battisti sem dispor de provas, optando pela versão unilateral do governo italiano. Não me lembro qual foi a posição do ministro Joaquim Barbosa quanto a Battisti, mas me parece não ter votado por estar em licença por doença.

O jurista Carlos Lungarzo, que publica nos próximos dias um livro sobre o caso Battisti, demonstrou com base em documentos europeus a inconsistência dos argumentos italianos contra Battisti e a leviandade de ministros do STF em condenar sem provas o italiano à extradição. Mas nessa primeira tentativa do STF se sobrepor ao Executivo, um precedente foi criado – a última instância judiciária do país, em desrespeito ao princípio básico de Direito, de que não pode haver pena sem prova de crime ou delito, criou a perigosa jurisprudência de que se pode condenar sem provas concludentes.

Tal procedimento lembra os do Tribunal Especial na França ocupada e que consistia em dar a aparência de julgamentos legais a condenações pré-decididas pelo governo de Vichy contra personalidades francesas contrárias à Ocupação nazista. Uma constante é a de que toda vez que o Judiciário se prestou a maquiar perseguições políticas como julgamentos legais foi em obediência a ditaduras de direita ou de esquerda. Ora, no Brasil, ocorre uma diferença fundamental – a última instância do Judiciário assumiu autonomia própria e age inclusive contra o governo, com o intuito de desmoralizá-lo e de assumir suas prerrogativas e seu poder, para confiná-lo apenas na governança.

O exemplo mais recente de golpe legal, é o do ocorrido no Paraguai, onde o Parlamento, interpretando à sua maneira um texto da Constituição, decretou o impeachment do presidente eleito pelo povo, derrubou-o e passou o poder ao vice-presidente. Ou seja, o Legislativo, contanto com a complacência do Judiciário, deu o golpe no Executivo.

Agora no Brasil, a condenação do principal articulador do governo petista, José Dirceu, visa diretamente o governo e o PT, e é um recado claro do STF de que assume o poder, mesmo se seus ministros-juizes não foram eleitos pelo povo. A partir de agora, todas as questões importantes do governo poderão ser decididas pelo STF e não pela presidenta Dilma e isso pode implicar até na privatização de estatais, como a cobiçada Petrobras, como no impeachment de governadores, prefeitos e até numa inelegibilidade do ex-presidente Lula.

Outro aspecto importante na condenação de José Dirceu está na exigência de ser colocado em cela comum, desobedecendo-se outro preceito legal, que beneficia com tratamento diferente a todos os universitários e ao qual Dirceu teria direito como bacharel em Direito. Essa exceção reforça a suspeita de não se tratar de um julgamento equitável, mas de um ajuste de contas, alguma coisa parecida com vingança ou revanchismo de perdedores.

Por que tanto ódio contra José Dirceu ? Não pertenço ao PT e me sinto à vontade para comentar. Mesmo se muitos petistas fundadores deixaram o partido por divergir das concessões feitas pelo governo Lula, não se pode negar ter sido Dirceu o principal articulador da eleição de Lula para a presidência. Além disso, foi um resistente contra a ditadura militar. E, embora acusado sem provas mas por ilação como envolvido no episódio do Mensalão, não se tratava de enriquecimento pessoal.

Se nos reportarmos ao ano 2005, quando estourou o caso Mensalão, fica evidente que o alvo daquela campanha era o presidente Lula – o objetivo principal era o de se provocar um impeachment e derrubar Lula. Eu fazia a correção das provas do meu livro sobre Maluf (Dinheiro Sujo da Corrupção – Geração Editorial), e tive tempo de incluir um capítulo sobre o que considerei como um escândalo de excessivas proporções. Não se tratava de se justificar o ato de compra dos votos do parlamentares, mas de uma observação realista.

E eu citava, como costumo citar, o exemplo suíço, país considerado dos mais honestos, onde existe uma versão legal de um tipo de mensalão. Todo deputado ou senador eleito recebe imediatamente o convite das grandes empresas suíças, desde bancos a laboratórios farmaceuticos, para ser vice-presidente do conselho de administração. O objetivo é o de evitar leis que prejudiquem tais bancos ou empresas e o de criar leis que os beneficiem. Trata-se de uma compra indireta dos votos dos parlamentares, que poderia também ser considerada como lobby, mas que implica no pagamento de um salário mensal ao parlamentar.

O então presidente do equivalente à nossa Câmara Federal, Peter Hess, era em 2005, vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças, o que lhe garantia mais de 400 mil dólares mensais. E isso sem qualquer escândalo.

A diferença é que, na Suíça, não é um partido que compra o voto de parlamentares mais ou menos honestos, porém as empresas privadas. O fato de na Suíça haver uma versão local de mensalão não justifica essa prática, mas pode lhe dar a verdadeira dimensão.

É evidente que, no Brasil, não se condena o Mensalão como prática desonesta, trata-se de um jogada política para se desmoralizar os petistas, que acabou não surtindo efeito nas eleições (por que diabo o STF escolheu a época das eleições para julgar o Mensalão?), mesmo porque dizem ter havido compra de votos na emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC. Iria o STF julgar agora, sem provas, também o FHC? Outro aspecto importante – estão condenando os chamados corruptores de parlamentares, mas não punem os parlamentares corruptos ?

E agora ? O STF deixou de interpretar as leis, de manter ou anular julgamento, para aplicar sentenças e mesmo acusados não parlamentares não tiveram direito a julgamentos normais em primeira e segunda instâncias. Deve-se aceitar a humilhação de José Dirceu e os riscos que correrá em prisão comum, quando dentro de dois anos a Suíça devolverá os milhões bloqueados de Maluf, por não ter havido condenação pelo STF ? Quando Pimenta Neves vive tranquilo em prisão domiciliar depois de ter matado a sangue frio a jornalista Sandra Gomide ?

Em termos de recursos, as possibilidades de se adiar a execução da pena de José Dirceu são mínimas. Que tribunal acima do STF poderá arguir da condenação sem prova formal ? E da inconstitucionalidade do Judiciário ultrapassando sua competência ? Só um Conselho Constitucional, caso existisse, como na França, onde leis e sentenças ou decisões judiciárias podem ser anuladas em caso de inconstitucionalidade.

Ou será que José Dirceu é culpado por ter contribuído à diminuição da desigualdade social no Brasil, à ascenção dos negros às escolas e universidades, à projeção do Brasil como sexta potência mundial ? ou de ter articulado a eleição à presidência de um operário quebrando a hegemonia das elites brasileiras ?

Talvez o Brasil ainda não tenha se curado dos repetitivos golpes e tentativas de golpe, constantes da história da República. Getúlio se matou porque havia movimento de tropas para derrubá-lo; Café Filho e Carlos Luz queriam invalidar a eleição de Juscelino e Jango; depois da renúncia de Jânio, Jango só assumiu com a criação do parlamentarismo, um golpe indireto para anular seu poder presidencial; mesmo assim, foi derrubado pelos militares para não concretizar as reformas de base; depois da ditadura militar corremos agora o risco de uma ditadura light ou soft ditada pelo STF ?

Em todos esses episódios, os golpes e tentativas visavam governos populistas ou reformistas interessados em dar mais direitos aos trabalhadores ou excluídos e restringir os privilégios da elite dominante.

Sobre o autor deste artigo

Rui Martins – BernaJornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro Dinheiro Sujo da Corrupção sobre as contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.

Publicado originalmente em direto da redação

OEA pode rever as penas do STF, diz analista argentino

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, já defendeu não caber reversão da sentença pela OEA. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Com o fim do julgamento do “mensalão”, os advogados dos réus condenados começam a se movimentar para recorrer da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), última instância do Judiciário brasileiro. Um dos caminhos avaliados seria buscar um reexame das sentenças na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), órgão ao qual as decisões o Brasil se compromete a submeter por ser um dos signatários do Pacto de San Jose.

“Se a Corte Interamericana entender que o julgamento, por alguma razão, não respeitou determinadas garantias e obrigações assumidas pelo Estado brasileiro, ele poderia ter de ser refeito”, acredita o professor argentino de Direito Administrativo Pablo Gutiérrez.

O docente da Universidad Nacional del Comahue, que esteve em São Paulo para realizar uma palestra na sede da Advocacia-Geral da União, na terça-feira 27, é especialista em direitos humanos e em aplicação de  tratados internacionais.

Leia mais:
Marco Aurélio não acredita que réus do “mensalão” recorram a tribunais internacionais
Condenado, Costa Neto mantém versão de caixa dois

A possibilidade de recorrer à OEA foi aventada diretamente pelo deputado Valdemar Costa Neto, condenado a de 7 anos e 10 meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Ele defende o direito do duplo grau de jurisdição em seu julgamento. Uma tese também apoiada pelo ex-ministro da Justiça e advogado de um dos condenados Marcio Thomaz Bastos. Segundo ele, os advogados de outros réus estudam esse caminho após a fase de embargos de declaração no STF. “O réu deve também ter o direito de apelar da decisão ou de tê-la revisada por um segundo tribunal, a dupla instância. Se no sistema interno de cada país isso não é garantido, seria possível apresentar o caso à Corte Interamericana por violações destes direitos”, diz Gutiérrez na entrevista abaixo.

Dois ministros do Supremo se manifestaram sobre o assunto. O relator do caso e presidente do STF, Joaquim Barbosa, chamou a possível ação de tentativa de “enganar o público leigo” e  cinismo” por pensar que poderia ser revertida. Já Marco Aurélio Mello definiu o eventual recurso dos condenados como “direito de espernear”.

Pablo Gutiérrez entende que a OEA exige julgamento em duas instâncias. Foto: Gabriel Bonis

CartaCapital – Alguns réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do “mensalão” estudam a possibilidade de recorrer da sentença à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Quais são as possibilidades deles? A OEA costuma analisar esses casos?

Pablo Gutiérrez – Em qualquer julgamento deve haver certas garantias para que ele seja válido e justo, não importando o objeto discutido. Para o funcionamento do sistema, o julgamento deve ser feito por um juiz imparcial, com respeito pleno ao devido processo, ao direito de oferecer provas, em prazo razoável e com a devida fundamentação. O réu deve também ter o direito de apelar da decisão ou de tê-la revisada por um segundo tribunal, a dupla instância. Se no sistema interno de cada país isso não é garantido, seria possível apresentar o caso à Corte Interamericana por violações destes direitos.

CC – O julgamento do “mensalão” ocorre em instância única no STF. Isso poderia abrir espaço para recursos em massa por parte dos condenados à OEA?

PG – O sistema interno está obrigado a garantir uma segunda instância. Caso não a tenha, isso será revisado e controlado na Corte da OEA. O órgão não analisa a sentença, mas se houve ou não alguma violação daquilo que o Estado assumiu conforme o Pacto de San Jose, na Costa Rica. Isso inclui assegurar um julgamento justo e o direito a duas instâncias.

CC – A OEA, caso acionada, analisaria quais aspectos do julgamento?  

PG – No sistema interamericano se avalia se uma pessoa foi julgada com as garantias exigidas pela OEA, como se houve o devido processo. Não se controla se a condenação é justa ou não, mas se o julgamento ocorreu seguindo as obrigações assumidas internacionalmente. Também não se revisa a sentença, ou se volta a julgá-la porque este é um tema de direito interno. É um assunto do Brasil.

CC – O que poderia acontecer em uma eventual condenação do Brasil na OEA por este caso?  

PG – Na Argentina, houve casos de processo já terminados na Justiça que foram submetidos à Corte de Direitos Humanos, nos quais o órgão internacional entendeu não ter ocorrido uma investigação suficiente. Quando a sentença da Corte Interamericana foi anunciada, o Tribunal máximo do país, semelhante ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, reabriu o caso. Deixou de lado a “causa julgada” porque é mais importante seguir a sentença da OEA. É uma obrigação do Estado argentino, que assumiu soberanamente cumprir a sentença. É um tema complexo, mas se um país assina um tratado está obrigado a cumpri-lo em todas as suas repartições públicas. Então, se a Corte Interamericana entendesse que o julgamento [do “mensalão”], por alguma razão não respeitou determinadas garantias e obrigações assumidas pelo Estado brasileiro, ele poderia ter que ser refeito.

CC – Em uma eventual sentença neste sentido, o Brasil poderia não cumpri-la sem sanções?

PG – Os países, quando assinam determinados acordos, se obrigam a cumpri-los de boa fé. Caso não o façam, as condenações seguem sendo reiteradas e a Corte Interamericana, junto com a OEA, supervisionem o seu cumprimento. O órgão também realiza boletins sobre quem cumpre ou não as sentenças. Como estamos em um sistema globalizado, no qual os países dependem uns dos outros, é importante saber que alguns organismos internacionais de assistência financeira e econômica não realizam aportes em locais que não respeitam os direitos humanos. Na Europa, para que um país entre na União Europeia é preciso que primeiro adira ao Tratado Europeu de Direitos Humanos, por exemplo. As sanções são interdependentes, seja no sistema de direitos humanos ou em alguns econômicos.

CC – Os condenados poderiam recorrer a outro tribunal internacional além da OEA?

PG – Não creio que haja outro sistema judicial, mas podem existir outras instâncias político-institucionais. Na América Latina, a Corte Interamericana é a última instância jurisdicional em matéria de direito fundamental e direitos humanos.

Batalha das ideias: Ser índio em tempos de mercadoria

“O que espanta, desta vez, é que os próprios Guarani-Kaiowá tenham pedido ao seu inimigo mais ou menos declarado – esta coisa que insistimos em tratar como “civilização” – que seja mais sincero. Sim, mais sincero e diga claramente que o índio não interessa, não se encaixa no modo de vida a que todos, sem privilégios (ouçam o eco iluminista…), estamos condenados.”

Há 13 anos a Editora Expressão Popular vem contribuindo para a batalha das ideias e para o fortalecimento da cultura socialista em nossa sociedade. Nossa contribuição só foi possível por contarmos com a solidariedade e o compromisso de mais de 300 companheiros e companheiras que se juntaram a nós e fizeram/fazem parte deste processo através da cessão de direitos autorais, de trabalhos de revisão, editoração, diagramação, divulgação etc. Seguimos firmes nesta batalha e estamos buscando travá-la cada vez co mais afinco e em mais frentes. Neste sentido, estamos inaugurando em nosso site a seção “Batalha das ideias”, na qual publicaremos textos de intervenção e de combate, com vistas a fortalecer a cultura socialista em seu mais amplo espectro. Primaremos por conteúdos que estejam para além tanto das discussões do que Antonio Gramsci bem definiu como “pequena política” quanto dos debates estritamente acadêmicos. O intuito desta iniciativa é apresentar de modo mais dinâmico temas que contribuam para uma melhor compreensão da nossa sociedade hoje com vistas a transformá-la, através de textos que recuperem os aspectos atuais do pensamento clássico da classe trabalhadora.

O terceiro texto da seção é bastante oportuno e atual, tendo em vista a dramática situação de desamparo e injustiça vivida pelos indígenas brasileiros. Confira Ser índio em tempos de mercadoria, de Tarso de Melo, autor de Direito e ideologia – um estudo a partir da função social da propriedade.

 

Ser índio em tempos de mercadoria

Tarso de Melo*

 

A recente divulgação da carta que uma comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Dourados (MS) enviou à Justiça Federal pedindo que, uma vez que não lhes é permitido viver da forma que consideram digna, seja logo decretada a morte de toda a comunidade, por cruel que pareça, não deveria causar espanto. Condenados à morte, sejamos sinceros, os índios brasileiros já estão há mais de 500 anos, mas a execução da sentença é lenta, torturante e cínica.

O que espanta, desta vez, é que os próprios Guarani-Kaiowá tenham pedido ao seu inimigo mais ou menos declarado – esta coisa que insistimos em tratar como “civilização” – que seja mais sincero. Sim, mais sincero e diga claramente que o índio não interessa, não se encaixa no modo de vida a que todos, sem privilégios (ouçam o eco iluminista…), estamos condenados.

Aprendemos com Marx que o capital libertou o trabalhador da escravidão à força, típica de formações econômicas pré-capitalistas, para submetê-lo a uma forma diversa de escravidão: o trabalho assalariado, a compra e venda da força de trabalho. (Sim, ainda há trabalho escravo – e ele não é incompatível com o capitalismo. Apenas não pode ser a regra, porque a valorização do capital depende de sua circulação também na forma de salário, o que não impede que um ou outro capitalista faça uso da extração violenta da força de trabalho.)

O trabalho como mercadoria é – em regra, insisto – o único compatível com uma sociedade em que tudo é mercadoria, em que o acesso aos bens indispensáveis à existência passa inescapavelmente pelo mercado: pagou, tem; não pagou, não tem. Ponto final. É óbvio, neste esquema rigoroso de trocas, que não se tolere qualquer exceção à lógica mercantil. Em outras palavras, o que o capitalismo não tolera é a manutenção, em seu mundo, do que não é mercadoria e, ainda por cima, impede o livre desenvolvimento de suas forças.

O que são, afinal, os índios para a ordem capitalista? Um ônus, um entrave, uma aberração, mas que, por não ser conveniente à “civilização” assim declará-los, recebem da nossa Constituição instrumentos para sua proteção que são constantemente “desmoralizados” (e é inevitável usar aqui esta palavra porque a proteção aos índios assume exatamente uma feição moral na ordem jurídica, ao mostrar como somos gratos e responsáveis com nossas, digamos, “origens”), como na decisão da Justiça Federal que exterminou, por enquanto, a paciência dos índios e sua esperança de viver no espaço que a “civilização” reservou àqueles que a antecederam. E sobreviveram à sua afirmação.

A carta à Justiça Federal não deixa dúvida: os Guarani-Kaiowá cansaram de reivindicar o direito de sobreviver como índios e não aceitam viver senão como índios. Não aceitam migrar para o regime do trabalho precário (prestado, no geral, a quem tomou suas terras) ou da mendicância às margens do exuberante mundo das mercadorias. O “bilhete suicida” que essa comunidade manda para nós, não o tomem como chantagem, “drama” etc. É um “basta”, um “chega”, mas principalmente uma prova de que os índios, com sua habitual sabedoria, entenderam melhor do capitalismo e de sua “civilização” do que nós, que nele estamos afundados até o pescoço – e um pouco mais.

Não só sua própria existência, mas a forma como os índios insistem em mantê-la é uma grande afronta ao capital e sua lógica. Vejam o que diz a carta: “Nós comunidades cultivamos o solo, produzimos a alimentação aqui mesmo, plantamos mandioca, milho, batata-doce, banana, mamão, feijão e criamos de animais domésticos, como galinhas e patos. Aqui agora não passamos fome mais. As nossas crianças e adolescentes são bem alimentadas e felizes, não estão pensando em prática de suicídio. Assim, há uma década, nesses 12 hectares estamos tentando sobreviver de formas saudáveis e felizes, resgatando o nosso modo de ser e viver Guarani-Kaiowá, toda a noite participando de nosso ritual religioso jeroky e guachire”. Como assim alimentadas, saudáveis e felizes? Sem ter pago por isso? Este intercâmbio do homem com seus iguais e com a natureza orientado apenas e tão-somente por suas necessidades – do espírito e do estômago – é inadmissível para o capital. Mais ainda: é sobre sua negação que se constituiu a forma como vivemos nos últimos 3 ou 4 séculos.

Os índios, neste contexto, são não apenas supérfluos, mas uma espécie de mau exemplo a ser apagado do horizonte de formas de “ser e viver” à venda – sim, à venda – em nosso tempo. O que será de uma sociedade “sem alternativas” se tolerar uma forma de vida que se nega à troca, ao dinheiro, à concentração da riqueza, ao desperdício? Desta vez, a pedido dos próprios índios, a “civilização” terá oportunidade de declarar o que pensa a este respeito.

A propósito, a Constituição brasileira afirma que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (art. 231).

Se nossas autoridades, que têm sua função justificada por essa mesma Constituição, não se preocuparem em respeitar tais palavras, será muito difícil evitar que se confirmem a tragédia da carta dos índios e o pessimismo das linhas acima. Mas também será cada vez mais difícil – creio e espero – manter os grupos oprimidos e suas reivindicações dentro de comportados limites legais.


*Tarso de Melo (1976) é advogado, mestre e doutor em Direito pela FDUSP, professor da FACAMP e coordenador de pós-graduação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. É um dos coordenadores da coleção Direitos e Lutas Sociais (Dobra/Outras Expressões).
Fonte: http://editora.expressaopopular.com.br/noticia/batalha-das-ideias-ser-%C3%ADndio-em-tempos-de-mercadoria